logo IMeN

AVALIAÇÃO ANTROPOMÉTRICA E BIOQUÍMICA DE FILHOS DE MÃES, QUE TIVERAM DISTÚRBIOS GLICÊMICOS NA...


AVALIAÇÃO ANTROPOMÉTRICA E BIOQUÍMICA DE FILHOS DE MÃES, QUE TIVERAM DISTÚRBIOS GLICÊMICOS NA GESTAÇÃO

Elizabeth Fernandes Buzinaro

RESUMO

A gestação caracteriza-se por estimulação hormonal (lactogênio placentário) da lipólise, que contribui de forma importante para a resistência à insulina crescente em tecidos periféricos e fígado, observada em sua segunda metade (1, 2). Para a manutenção dos níveis glicêmicos e dos outros metabólitos na faixa de normalidade é necessário aumento da função das células beta pancreáticas. Tal ocorreria porque é mantida a função hiperbólica entre secreção e ação da insulina, além do aumento da massa de células beta e da maior responsividade das células beta aos estímulos (2). A gestação compreende assim, a alternância de “catabolismo acelerado” nos períodos pós-absortivos com “anabolismo facilitado” nos períodos pós – prandiais (1, 3).
O desempenho das células beta aquém do necessário durante a gestação determina o diabetes mellitus gestacional (DMG). O DMG permanece definido como qualquer grau de intolerância à glicose com manifestação ou primeiro reconhecimento durante a gestação. Esta definição é considerada verdadeira independentemente do uso de insulina para o controle glicêmico ou de o diabetes persistir depois da gravidez (4,5e6). Estudos verificaram que mulheres com DMG, em relação às gestantes com tolerância à glicose normal, apresentam maior resistência à insulina no terceiro trimestre, mas a diferença principal está na resistência à insulina crônica ou de base, presente fora da gravidez. Também observaram que estas gestantes apresentam secreção de insulina diminuída, principalmente em relação à resistência à insulina vigente (2,7). Esta menor capacidade de compensação das células beta à resistência à insulina tem sido observada em mulheres com DMG de muitos grupos étnicos, sugerindo que a disfunção das células beta é uma característica comum, se não, universal do DMG, cujo mecanismo etiológico não está esclarecido (2, 7).
No DMG o ambiente nutritivo materno alterado (hiperglicemia) tem múltiplas conseqüências em potencial sobre células e tecidos específicos em vários estágios de desenvolvimento. A morbidade fetal mais freqüente no DMG é a macrossomia, ou mais freqüentemente, o grande para a idade gestacional, associada complicações do parto. Contribui de forma importante para sua ocorrência a passagem aumentada de metabólitos energéticos (glicose, aminoácidos) para o feto, com estimulação da secreção de insulina pelas suas células beta pancreáticas. O excesso de nutrientes e a hiperinsulinemia ocasionam crescimento fetal exagerado, segundo a hipótese de Pedersen (8), posteriormente modificada por Frienkel e Metzger (3). A hiperinsulinemia do concepto provoca no período pós-nascimento imediato hipoglicemia, por diminuir a produção endógena de glicose e aumentar a utilização de glicose pelos tecidos. Ainda, a hiperinsulinemia fetal tem papel no atraso da maturação pulmonar, na icterícia prolongada, na policitemia e na hipocalcemia, que podem ocorrer nas primeiras horas após o nascimento. Em casos de hiperglicemias maternas mais graves e presentes precocemente na gravidez, tratando-se então mais provavelmente de gestantes já diabéticas antes da gravidez, há aumentado freqüência de malformações congênitas e de morte intra –útero (1,9). Para a mãe, durante a gestação, o DMG está associado com aumentada freqüência de doenças hipertensivas, principalmente pré-eclampsia, e de partos via alta (macrossomia fetal) (1, 9).
Importantes também são as conseqüências futuras (além do período perinatal) para as crianças nascidas de mães que apresentaram DMG. Há evidência epidemiológica que estes filhos têm risco aumentado para obesidade (9,10 e 11) e de intolerância a glicose (9,10 e 11) na infância e no inicio da vida adulta. Além de fatores genéticos, o ambiente intra-uterino determina a suscetibilidade futura do individuo desenvolver diabetes e obesidade (12). A principal implicação do diagnóstico de DMG para a mãe em seu futuro é ter risco aumentado para o desenvolvimento de diabetes mellitus tipo2. Sua prevalência nestas mulheres tem variado principalmente em função do grau do distúrbio glicêmico apresentado durante a gestação, do tempo de acompanhamento após a gestação-alvo e da etnia (13).
Assim, é inquestionável a importância do diagnóstico e tratamento o mais precocemente possível das mulheres com DMG, para o binômio mãe-feto durante e após a gestação.
A incidência de DMG varia de 1,6 a 13% dependendo da população estudada e do critério diagnóstico utilizado (14). Estudo brasileiro, multicêntrico, recente verificou a freqüência de 7.2% de DMG entre 4977 gestantes, quando utilizado o critério da Organização Mundial da Saúde - 1999 ( 15). Oliveira & Camano (16), com critério diagnóstico próprio, observaram no Serviço de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina freqüência de 4,3% de DMG.
No Serviço de Obstetrícia do Hospital das Clínicas/Faculdade de Medicina de Botucatu toda gestante, em sua primeira consulta de pré-natal é avaliada quanto aos fatores de risco para o DMG e medida a glicemia de jejum(GJ)cujo valor de normalidade considerado é <90mg/dL (17). Se o rastreamento é positivo a gestante é submetida aos testes diagnósticos. Se, por outro lado, o rastreamento é negativo, deve-se repeti-lo entre a 24a e 28a semanas, ou antes, se necessário. A avaliação diagnóstica envolve o teste oral de tolerância à glicose (TOTG), segundo o “National Diabetes Data Group” –1979 (18), até recentemente, e ao perfil glicêmico (PG). O PG compreende dosagem da glicemia a cada 2 horas, no período das 8 h às 18h, na vigência de dieta fracionada e com 2840kcal. Os valores de glicemia considerados normais são <90e< 130 mg/dL para os períodos de jejum e pós-prandial, respectivamente. Basta um valor igual ou superior àqueles limites para o teste ser considerado alterado (19). As gestantes são, então, classificadas em 4 grupos: IA: ambos teste normais; IB: apenas o PG alterado; IIA: apenas o TOTG alterado; IIB: ambos testes alterados. Em nosso Serviço, no período de 1985 a 1994 foram acompanhadas 5398 gestantes, sendo 2,6% diagnosticadas com DMG (grupos IIA e IIB) e 5,4%, com hiperglicemia diária gestacional (grupo IB)(20).
A importância do grupo IB está na observação por RUDGE et al (21) de que a ocorrência de recém nascidos grandes para idade gestacional foi semelhante entre os grupos IA e IIA e entre os grupos IB e IIB, sendo significativamente maior nos dois últimos em relação aos dois primeiros (25,6 e 28,6% vs 53,8 e 51,9% , respectivamente). A partir deste estudo, no Serviço de Obstetrícia de nosso Hospital, as gestantes do grupo IB passaram a receber o mesmo tratamento que as com DMG (grupos IIA e IIB), isto é, orientação alimentar, que se não levar a controle glicêmico ótimo, é associada a insulinoterapia.
Embora esteja bem estabelecido, que níveis glicêmicos elevados durante a gestação, independentemente do estímulo com carga oral de glicose, são determinantes das morbidades materno-fetais características da gestação complicada pelo diabetes (22, 23 e 24), o PG como critério diagnóstico de distúrbios hiperglicêmicos na gestação tem sido pouco utilizado, provavelmente por ser menos prático que o TOTG.
Num intervalo de 3 a 12 anos da gestação - alvo observamos que mulheres IIB tem maior risco, que as do demais grupos, para desenvolver diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial e as mulheres IB, assim como as IIA, apresentam maior frequência de ocorrência de diabetes mellitus tipo 2 em comparação às do grupo IA (controle) (25,26).
Então, a importância do diagnóstico, o mais precoce possível, não só do DMG como também da hiperglicemia diária gestacional, e de seu tratamento durante a gestação. Após o parto é mandatário acompanhamento orientado destas mães, visando principalmente a diminuir os fatores que causam resistência à insulina. Provavelmente, acompanhamento semelhante se faça necessário para seus filhos.
Desconhecemos, todavia, estudos prospectivos na nossa população, dos filhos de mães que tiveram DMG e/ou hiperglicemia diária gestacional.

IMeN - Instituto de Metabolismo e Nutrição
Rua Abílio Soares, 233 cj 53 • São Paulo • SP • Fone: (11) 3287-1800 • 3253-2966 • administracao@nutricaoclinica.com.br